Desde março de 2020, quando a pandemia de Covid-19 colocou os Estados Unidos em confinamento, o setor de música clássica no país vem sofrendo um impacto sem precedentes. Turnês internacionais e festivais foram cancelados, enquanto salas de concertos e teatros seguem fechados por tempo indeterminado. Segundo pesquisa da empresa PwC, o dinheiro gerado pela venda de ingressos e patrocínios no mercado norte-americano de música ao vivo caiu 64% no ano passado, causando uma perda de 18 bilhões de dólares para a indústria.
No setor de música clássica, o golpe pode ser medido observando a situação do Metropolitan Opera House, em Nova York. Às escuras há mais de um ano, a maior casa de ópera do mundo não paga o salário de seus músicos residentes desde o segundo semestre de 2020. A companhia anunciou que só voltará a funcionar, com capacidade reduzida, em setembro de 2021. Até lá, não só o Metropolitan Opera, mas musicais da Broadway, sinfonias regionais, e cerca de 1.600 orquestras do país devem permanecer longe dos palcos.
Concertos digitais e conteúdo educacional online surgiram como opções imediata para alguns profissionais do setor, mas músicos de orquestra em tempo integral afirmam que o afastamento prolongado das apresentações ao vivo pode impactar o futuro da música clássica no país. "Meu ofício faz parte de algo maior do que minha atuação individual, e é por isso que sou músico de orquestra", diz Wesley Sumpter, percussionista de filarmônica de Los Angeles, na Califórnia, uma das mais importantes do mundo, com 106 integrantes.
Embora o hiato tenha afetado músicos de todas as idades, a situação é particularmente difícil para músicos em início de carreira. “Aqueles que estão perto de se formar, não têm para onde ir. As audições, geralmente na primavera, foram adiadas. Quando essas audições retornarem, centenas de iniciantes tentarão vagas que tendem a ser ainda mais limitadas”, diz Rictor Noren, professor de violino do Conservatório de Boston em Berklee.
Em uma espécie de efeito cascata, crianças e adolescentes também sentem as consequências do longo período em aulas exclusivamente online. Segundo a pianista brasileira Thaissa Santiago, a educação online ajuda, mas não atende todas as necessidades dos alunos iniciantes. “Pessoalmente, consigo mostrar a pressão usada nas mãos e outros detalhes sutis que fazem muita diferença no resultado”, diz a professora. Conterrânea do grande concertista e pedagogo paraibano Antonio Guedes Barbosa, há dois anos Thaissa dá aulas de piano clássico na Music-N-Smart, na Califórnia. Desde abril de 2020, a escola transferiu todas as classes para o sistema online, ainda sem data de retorno para as aulas presenciais.
“Não perdemos alunos durante o lockdown, pelo contrário, mais pessoas resolveram aproveitar o tempo e a comodidade para aprender um instrumento sem sair de casa”, conta. “Porém, esse formato tem limitações e pode levar mais tempo para um aluno iniciante avançar em sua prática”, afirma a pianista, que vem preparando futuros candidatos a audições de prestígio como a competição internacional de piano Chopin. O evento, inaugurado em 1927 na Polônia, foi adiado em 2020, e vai acontecer de 2 a 23 de outubro de 2021, na capital, Varsóvia. “Esse intervalo afetou o desenvolvimento desses músicos, que poderiam estar pelo menos um ano à frente em suas carreiras”, comenta Thaissa. Essa é a primeira vez que o evento é obrigado a mudar a sua agenda desde 1937, durante a Segunda Guerra Mundial.