O cenário mundial da pós-pandemia da covid-19 intensificou a pressão orçamentária e endividamento dos governos no curto prazo, motivando ações para reduzir distorções, combater a sonegação e aumentar a carga tributária, segundo a PwC Brasil, empresa de consultoria tributária. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), os países da América Latina, em média, coletam apenas 50% da receita dos sistemas tributários. E a evasão dos impostos sobre empresas varia entre 27% no Brasil para mais de 50% na Costa Rica ou Equador, e com apenas essas duas taxas, a América Latina poderia garantir uma receita de US$ 220 bilhões, 4% do PIB regional.
Movimentos de reforma tributária vêm surgindo em diversas partes do mundo nos últimos anos, a exemplo da reforma tributária norte-americana de 2017, que voltou à pauta em 2021, da reforma mexicana de 2020, e de iniciativas recentes de reforma na Alemanha e no Brasil, informa Patrícia Araujo Lopes, advogada com MBA e MSc em Finanças no Brasil e no exterior, gerente sênior global de impostos de uma multinacional brasileira e palestrante de temas relacionados ao setor financeiro-tributário internacional.
De forma simultânea a esses movimentos e a fim de preservar o nível de arrecadação, Patrícia afirma que muitos países vêm intensificando ações de transparência fiscal. Como exemplos dessas iniciativas, têm-se o reporte obrigatório de transações tributárias internacionais, o monitoramento fiscal horizontal e a extensão das regras de reporte da declaração país a país. Ela lembra que esses movimentos têm levado as empresas a reforçarem o compliance fiscal, a agir de forma proativa na relação fisco-contribuinte e a ponderar novos riscos nas decisões de negócios. E relata que na Europa e em outros países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, a transparência aumentou significativamente nos últimos anos.
A Diretiva Europeia de Cooperação Administrativa 6 (DAC6) introduziu o reporte obrigatório de informações para uma ampla gama de transações internacionais envolvendo os Estados-Membros da União Europeia (EU), bem como o intercâmbio de informações entre as autoridades fiscais, aumentando a transparência e reduzindo a incerteza para os contribuintes, quanto da implementação de estruturas tributárias.
A especialista em finanças esclarece que os marcos do DAC6 são categorias amplas de transações, que incluem, entre outras, a conversão de renda em capital, empréstimos transfronteiriços entre empresas de um mesmo grupo econômico, transferência de ativos intangíveis de difícil mensuração, transferência de funções, ativos e riscos. “O DAC6 possibilita o acompanhamento mais próximo do fisco em um novo cenário de compliance e de combate à evasão fiscal”, alega Lopes.
Conforme a ONU, a evasão fiscal de empresas brasileiras chega a 27% do total que o setor privado deveria pagar em impostos no país. O alerta faz parte do informe anual que estima que a América Latina, como um todo, deixa de arrecadar cerca de US$ 350 bilhões. Na avaliação da entidade, para que os ganhos sociais possam ocorrer até 2030, os governos latino-americanos terão de investir mais. E, para isso, terão de elevar sua capacidade de arrecadação. Em alguns países da região, porém, a receita com impostos ainda representa menos de 20% do PIB.
De acordo com a advogada, o monitoramento fiscal horizontal vem como uma ferramenta adicional para promover a transparência no ambiente tributário. A iniciativa possibilita uma interação mais próxima, de forma contínua e regular entre o contribuinte e o fisco. “Trata-se de procedimento voluntário voltado a grandes empresas, que pressupõe a implementação e manutenção de controles internos rigorosos e alto nível de compliance. Eventuais pendências fiscais devem ser resolvidas antes da assinatura do acordo, e através dele as partes devem se comprometer à cooperação mútua baseada em confiança e transparência. É uma forma diferenciada de acompanhamento focado no início da cadeia de operações fiscais (segurança fiscal em troca de informações) e não no final (por meio de fiscalizações, sanções e processos)”, explana Patrícia.
No acompanhamento tributário tradicional, a especialista explica que a declaração de imposto de renda é protocolada pelo contribuinte e, posteriormente, pode haver discussão sobre as informações apresentadas e posições tributárias adotadas. No monitoramento fiscal horizontal, a discussão ocorre antes da apresentação da declaração, de forma que a avaliação final da autoridade fiscal tende a convergir com a posição adotada pela empresa. Contudo, ela ressalta que o monitoramento horizontal não substitui os métodos tradicionais de fiscalização, o complementa.
Uma terceira frente voltada à transparência no ambiente tributário global diz respeito ao recente anúncio, pela EU, da intenção de expandir os requisitos de conformidade da declaração país a país. A Diretiva Europeia estabelece que a obrigação de reporte recai sobre a matriz de multinacionais européias que tenham auferido receita líquida consolidada superior a 750 milhões de euros em cada um dos últimos dois exercícios financeiros. No caso de multinacionais com sede fora da União Europeia, a declaração atualmente é apresentada no respectivo país de residência se a regra local assim determinar.
O que se pretende, observa a advogada, é expandir a obrigação de reporte de multinacionais com sede fora da EU, mas com presença no território europeu. Nesses casos, as multinacionais estrangeiras teriam de publicar a declaração nos seus sites e designar uma de suas subsidiárias ou filiais europeias para protocolar o reporte junto às autoridades locais. Patrícia ainda esclarece que caso a declaração não seja publicada no site da empresa estrangeira, a obrigação de publicá-la recai sobre a subsidiária ou filial europeia. “São ações que mostram como os governos estão mais ativos no sentido de diminuir a evasão fiscal e, consequentemente, garantir a arrecadação”, conclui Patrícia Lopes, com experiência profissional em planejamento tributário e compliance, tributação internacional, preços de transferência e reestruturação societária em empresas Big4 e multinacionais no Brasil.