Nos últimos anos, houve um aumento expressivo de candidatos negros interessados em cargos políticos. Influenciados por nomes como Marielle Franco, Benedita da Silva e Erica Malunguinho, este aumento se dá por um fator maior, além das inspirações; a necessidade de pessoas negras ingressarem nas câmaras municipais e prefeituras devido à falta de representatividade nesses espaços. É o que traz a matéria de Júlia Bispo, jovem comunicadora para a campanha #QueroMeVerNoPoder nas Eleições 2020.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2020, as candidaturas negras registraram um expressivo aumento percentual na cidade de São Paulo, o maior na capital desde quando os dados começaram a ser contabilizados em 2014. Cerca de 29,63% dos candidatos a prefeitos, vice-prefeitos e vereadores são negros, contra 69,24% brancos. Em 2016 - últimas eleições municipais - 25,86% dos candidatos se autodeclaravam negros, frente a 73,64% de brancos.
Mas apesar da crescente representação, a corrida eleitoral ainda favorece o racismo estrutural e financia homens brancos. De acordo com a Plataforma 72 horas, que compila os dados divulgados pelo TSE das declarações de recursos de campanha recebidos, candidatos negros ganharam 42% menos dos fundos Partidário e Eleitoral.
O candidato a vereador pelo partido PODE, Professor Vladimir Fernandes, comenta que sentiu revolta ao ver que as candidaturas negras não recebem o devido financiamento: "Há vários critérios para a distribuição do Fundo Partidário, como por exemplo grupos de atuação, representatividade, potencial de votos, entre outros. Em via de regra, somos mais vistos como lideranças catalisadoras de votos e não como candidatos propriamente ditos".
Racismo estrutural sistêmico
Passando por sua terceira candidatura - a segunda como vereador - Anderson Severino, do Rede Sustentabilidade, afirma que dentro dos partidos o racismo é camuflado em várias camadas: "Vivemos estruturas racializadas, os partidos espelham essas estruturas. Muitos podem e terão um discurso libertador, entretanto suas ações mostram o contrário, por isso mesmo não encontramos dirigentes partidários negros e ao mesmo tempo não encontraremos representantes eleitos. Escolhem pessoas negras que não têm relação com a luta antirracista apenas para fazerem volume nos partidos ".
Contudo, existem barreiras de difícil acesso, como por exemplo, oferecer apoio somente à aliados. Quando o TSE legisla a favor do equilíbrio de verbas, inclusive decretando a obrigatoriedade da divisão entre os candidatos.
O Professor Vladimir Fernandes conta nunca ter passado por uma situação de racismo, entretanto, o perfil das lideranças comprovam uma desigualdade sistemática. "Em nível de direção, é sempre é composta por pessoas brancas e de alto poder aquisitivo, junto com o seu clã", explicou Fernandes.
Já Anderson Severino relata que se questões mais potentes - como o assassinato diários de jovens nas periferias por policiais e o encarceramento em massa de negros no Brasil - não mobilizam a sociedade, não será a discriminação das candidaturas negras pelos partidos ou a falsa autodeclaração de raça que trará essa comoção: "Muitos desses políticos profissionais, com cargos há tanto tempo, pela primeira vez se autodeclararam negros para roubar parte do Fundo Eleitoral".
A força do Movimento Negro
Com dois homens brancos concorrendo ao 2º turno para prefeitura na cidade de São Paulo, a novidade das eleições fica para o aumento de representantes negros na Câmara de Vereadores, com destaque para Erika Hilton, a primeira mulher trans a ser eleita na capital. Dos 55 eleitos, seis são negros e, apesar de ser um número abaixo da metade, as expectativas para os novos nomes são altas.
O resultado abre caminho para que novos olhares sejam considerados na política. "Este ano o Movimento Negro está muito mais organizado, apoiando os candidatos negros. Agora, caberá ao movimento negro, bem como, os parlamentares negros eleitos provocarem tal questão, por meio de fóruns de debates e cursos de formação política", relata o Professor Vladimir Fernandes.
O Movimento Negro é um elemento central para discutir política do ponto de vista de representatividade, resistência, resiliência coletiva e ancestralidade para a inclusão efetiva da população negra em cargos de poder.
"Com a ampliação do poder e sua descentralização, com participação efetiva em conselhos, em espaços de discussão que pautem a questão negra, do racismo em todas as esferas dessa sociedade que não quer discutir, mas que é racializada. Podemos ser brancos e negros biologicamente iguais, mas não somos iguais a partir do olhar social, econômico e histórico, portanto questionar os privilégios da braquitude é nosso dever e ação principal", finaliza Anderson Severino.