De acordo com a Organização das Nações Unidas para o Turismo (OMT), 1,45 bilhão de pessoas viajaram internacionalmente em 2019. Dados de 2020 revelaram uma diminuição substancial do número de turistas devido à pandemia de Covid-19. Com hotéis fechados, aeronaves no solo e severas restrições a viagens em todo o mundo, as chegadas internacionais diminuíram repentinamente em 73%. Especialistas da OMT não preveem o retorno do turismo aos níveis de 2019 antes de 2024.
Ainda segundo a OMT, antes das restrições, os destinos mais populares para viagens de lazer eram França, Espanha e Estados Unidos. Em média, as férias no exterior duravam menos de uma semana, e os turistas costumeiramente preferiam voar entre os continentes. No entanto, há um grupo de indivíduos fora dessa estatística. Entre eles é mais provável ouvir que o destino é o Sudão em vez da Espanha e, no lugar do avião, a escolha é por dirigir seus próprios veículos ao redor do mundo. São os chamados “overlanders”: uma comunidade de pessoas seduzidas pelo desejo de viajar, que cruzam continentes inteiros com motos, veículos 4x4 ou caminhões em viagens cuja duração não é medida em dias ou semanas, mas em meses e anos.
O desejo de viajar e as restrições
O número de pessoas dirigindo ao redor do mundo revela um fluxo constante – conforme novos viajantes partem em seus empreendimentos pessoais, outros retornam para sua vida cotidiana. Christopher Many, viajante e pesquisador há quase um quarto de século, coletou dados das autoridades de imigração e alfândega nas passagens de fronteira das rotas mais populares – do Cairo à Cidade do Cabo, do Alasca a Ushuaia e da Europa a Singapura – que indicam que antes da pandemia, em qualquer dia, pelo menos 12 mil indivíduos estavam circundando o globo sobre rodas apenas nessas rotas.
Esses dados revelam, ainda, que quase 80% deles são europeus, embora as viagens motorizadas independentes estejam se tornando populares entre os aventureiros da Ásia e da América Latina. Geralmente, os viajantes aproveitam a oportunidade de pegar a estrada tirando um ano sabático após a universidade ou durante a carreira profissional. As viagens podem durar uma década ou mais, dependendo das finanças, saúde pessoal ou do desejo de constituir uma família. Mas há também os overlanders permanentes, aqueles para quem viajar não é uma ruptura da normalidade, mas sim um estilo de vida, como é o caso de Christopher.
“Iniciei minha primeira viagem em 1997 pilotando uma moto e acreditando que não passaria mais do que um ano na estrada. Isso não aconteceu como planejado – gastei três anos indo da Alemanha até a Nova Zelândia cruzando a Índia. A segunda jornada foi um tour de force ao redor do mundo entre 2002 e 2010 com um Land Rover 1975 – percorri 200 mil quilômetros e visitei 100 países. Depois vieram mais seis anos, novamente de moto, dirigindo da Europa até a Austrália. Hoje, 24 anos depois, eu continuo fazendo o que mais amo: tentando descobrir o que existe depois do horizonte”, ele comenta.
A pandemia acabou gerando um impacto na vida de todo viajante devido ao fechamento frequente de fronteiras. O isolamento social, momento em que as pessoas precisaram ficar em casa, também apresentou algumas dificuldades para os viajantes de longo prazo, embora para muitos overlanders a palavra “casa” tenha um significado diferente.
“Casa, para mim, não é uma coordenada geográfica fixa no mapa, mas onde quer que eu estacione meu veículo”, explica Christopher, que atualmente mora e viaja em um caminhão desativado do correio.
Na tentativa de conter a propagação do vírus, vários países, incluindo Belarus, Austrália, Venezuela e Omã, não estão emitindo vistos de turista ou tiveram suas fronteiras fechadas, de acordo com as informações divulgadas pela OMT. Overlanders não podem entrar, e alguns não podem sair.
A necessidade de se manter em movimento
Muitos overlanders não têm um endereço fixo. Seu veículo e tudo o que ele contém geralmente são seus únicos bens materiais. Alguns viajantes começam sua jornada com a carteira quase vazia, dispostos a trabalhar pelo caminho, de país em país, enquanto o seu visto local de turista permitir. Normalmente usam suas habilidades para fazer e vender artesanato em acampamentos, dar aulas de inglês em escolas, colher frutas ou trabalhar na recepção em albergues. Outros financiam suas viagens por meio da poupança de empregos anteriores ou da renda do aluguel de propriedades. Um número cada vez maior de pessoas ganha dinheiro como nômade digital, escrevendo artigos para sites e revistas de viagens.
“Preferi custear minhas viagens escrevendo livros, um dos quais tornou-se best-seller e foi lançado recentemente em português com o título “À esquerda depois do horizonte”. Para mim, o que começou apenas por pura necessidade de mais liberdade pessoal, tornou-se algo bem maior com o passar do tempo. Comecei a anotar fatos cotidianos em determinados países que certamente passariam despercebidos pelo turista comum, mas que poderiam ser de seu interesse. Isso passou a ser um dos objetivos em meus registros”, afirma Christopher.
Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já contabiliza em todo o mundo cerca de 1,6 bilhão de pessoas com pelo menos uma dose da vacina contra a Covid-19. Com isso, a expectativa para a retomada do turismo é bastante elevada. Como qualquer outro overlander, Christopher espera que o mundo se recupere da pandemia antes de 2024 para que sua vida itinerante também possa voltar ao “normal”.
Para mais informações: http://christopher-many.com/en/books/a-esquerda-depois-do-horizonte.html ou https://www.facebook.com/Hinter.dem.Horizont.links. O livro pode ser encontrado em: https://www.amazon.com.br/esquerda-depois-horizonte-odisseia-Avarias-ebook/dp/B096FD3J8W.